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Domingo é o primeiro dia de trabalho
na semana para os sírios. O final de semana começa na sexta-feira, como
prega a tradição muçulmana (maioria na população síria), mas o hábito
também foi incorporado pelos católicos e cristãos ortodoxos.
Por André Tokarski*
Foi no domingo também que iniciamos o
primeiro dia de visitas e agendas de trabalho na Síria da delegação
composta por organizações filiadas ao Conselho Mundial da Paz e à
Federação Mundial das Juventudes Democráticas.
Pontualmente às 8h30 da manhã embarcamos
no ônibus na porta do Omayad Hotel (situado na Av. Brasil, no centro de
Damasco) em direção à primeira atividade prevista: uma visita a
soldados feridos nos conflitos que estão em recuperação no Hospital
Militar de Damasco.
Fomos recebidos pelo diretor do
hospital, um comandante do Exército da Síria. Em um auditório, o militar
sírio nos apresentou brevemente um panorama sobre os confrontos em
curso no país. Relata que o Exército sírio não luta contra seu povo, mas
sim o defende de milícias formadas por mercenários vindos
principalmente do Afeganistão e do Iraque (durante a última guerra no
Iraque, dois milhões de refugiados iraquianos migraram para a Síria).
A maior parte dos confrontos entre o
Exército sírio e as milícias mercenárias ocorre na região norte do país,
próximo à fronteira com a Turquia (país com reconhecida hostilidade à
Síria).
Em Damasco não houve e não há nenhum
tipo de confronto. A capital da Síria tem sido vitimada por covardes
atentados terroristas com carros-bomba, que já levaram mais de 30 civis à
morte.
O comandante do Exército destacou ainda a
importância do veto imposto pela Rússia e China no Conselho de
Segurança da ONU a qualquer tipo de intervenção militar externa em seu
país, o que sem duvida, caso ocorresse, desencadearia um grande banho de
sangue. Agradeceu também em especial o apoio que o governo e o povo da
Síria têm recebido da diplomacia brasileira em meio a esta crise.
Até aqui, as feridas da guerra ainda não haviam sido expostas.
O contato nu e cru com as sequelas
causadas pelo conflito tivemos poucos minutos depois. Encerrada a
reunião com o diretor do hospital, fomos levados a uma cerimônia militar
fúnebre de três soldados mortos em confronto. O contato tão próximo com
o simples caixão de madeira envolto com a bandeira da Síria causou
comoção em todos nós. Feitas as homenagens, os corpos foram entregues às
famílias num clima de profunda tristeza. Perguntei a um militar próximo
a idade dos soldados mortos, todos tinham menos de 24 anos.
De volta ao hospital, nos dividimos em
três grupos para visitar nos quartos os soldados feridos. No primeiro
quarto encontramos dois jovens. Um deles recebia também a visita do pai.
Com a ajuda de um tradutor, expressamos o nosso sentimento de
solidariedade e de desejo de pronta recuperação. Dissemos também os
países de origem de cada membro da delegação.
Quando nos preparávamos para partir em
direção ao próximo quarto, o pai que visitava o filho ferido, e que até
então nos olhava com certa desconfiança, diz emocionado ao tradutor que
agradece muito a nossa visita e pede que façamos o possível para ajudar a
cessar os conflitos. Estava ali visitando o filho mais velho, um outro,
mais novo, morreu em confronto há três meses.
Em outro quarto nos deparamos com um
senhor de cerca de 60 anos. Perdeu parte da perna esquerda em uma troca
de tiros com grupos milicianos. Estava acompanhado de sua esposa,
vestida toda de preto por conta do luto, um dos filhos do casal morreu
em uma emboscada a uma patrulha do Exercito em Homs (norte na Síria).
Depois do hospital visitamos a
Universidade de Damasco, onde tivemos uma reunião com representantes da
União Nacional dos Estudantes da Síria. A UNE deles também representa
estudantes de universidades publicas e privadas e conta com a
participação de diversas forças políticas. Mas o fato que quero
registrar sobre a visita à universidade foi um diálogo que presenciei
entre um grupo de estudantes (principalmente mulheres) e alguns membros
de nossa delegação. Diziam, revoltados, que há muita mentira nos meios
de comunicação sobre a Síria, principalmente por parte da Al Jazeera,
que é ligada ao regime do Quatar. Parte do grupo relata que há duas
semanas participou de uma grande manifestação em Damasco em repúdio às
ações das milícias e em apoio às medidas do governo, mas que foi
noticiado pela CNN e BBC como se tratasse de uma passeata de opositores
de Bashar al-Assad.
No regresso ao hotel, após um dia
inteiro circulando pela cidade, o clima entre nós era de indignação e
perplexidade. O contraste entre os feridos e mortos que vimos no
hospital com a normalidade da vida em Damasco (lojas abertas,
universidades funcionando, ruas cheias e movimentadas) deixa evidente
que o conflito na Síria é uma ação orquestrada por grupos mercenários
armados, incentivados por minorias ultrassectárias islâmicas que de
forma oportunista e vergonhosa contam com o apoio da União Europeia e
dos EUA.
*André Tokarski é presidente da União da Juventude Socialista.
Fonte: Blog do Miro
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